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  • Fonte: STJ

As armadilhas do carro zero


O STJ divulgou a orientação jurisprudencial do tribunal relativa aos direitos do consumidor na compra de veículos zero.

Imagine a seguinte cena: o consumidor acaba de comprar um veículo zero-quilômetro e o recebe na concessionária. Ao dirigir pelas primeiras vezes, ainda extasiado com o cheiro de carro novo, os bancos confortáveis e o brilho da pintura, ele se depara com graves problemas mecânicos, ou percebe diferenças na cor da pintura, ou, pior, descobre que o veículo vendido como zero, na realidade, já havia não apenas rodado por estradas afora, como sofrido uma colisão.

Ele busca a solução dos problemas na concessionária, na rede autorizada, na montadora, e enfrenta atrasos injustificados nos reparos ou até mesmo a recusa das empresas em resolver a situação. O que era para ser uma relação prazerosa com o carro novo se revela uma surpreendente armadilha.

Construída no julgamento de muitos casos assim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se consolidou no sentido de conferir ampla proteção aos direitos daqueles que vivenciam transtornos na aquisição de veículos novos defeituosos, especialmente com amparo nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Evolução jurisprudencial

Até 2013, o STJ considerava mero dissabor, insuficiente para configurar dano moral indenizável, o defeito apresentado em veículos novos. Tal entendimento fica evidenciado no REsp 628.854, julgado em 2007 sob relatoria do ministro Castro Filho, e no Ag 775.948, julgado em 2008 sob relatoria do ministro Humberto Gomes de Barros.

Prevalecia, então, a despeito de um ou outro julgado divergente, o entendimento de que os defeitos em carros novos – mesmo que fizessem o consumidor se deslocar à concessionária por 15 vezes a fim de efetivar reparos, como de fato ocorreu no Ag 775.948 – constituíam mero dissabor, um aborrecimento limitado à indignação pessoal.

Contudo, como analisou o ministro João Otávio Noronha no REsp 1.249.363, julgado em 2014, tal posição começou a ser superada no tribunal ainda em 2013, com o julgamento do REsp 1.395.285, cuja relatora foi a ministra Nancy Andrighi.

Em seu voto, Noronha explicou que “o defeito apresentado em veículo novo, via de regra, implica mero dissabor pessoal, sem repercussão no mundo exterior. Todavia, quando o defeito extrapola o razoável, tal como a hipótese de automóvel zero-quilômetro que, em menos de um ano, fica por mais de 50 dias paralisado para reparos, por apresentar defeitos estéticos, de segurança, motorização e freios, considera-se superado o mero dissabor decorrente de transtorno corriqueiro, tendo em vista a frustração e angústia, situação que invade a seara do efetivo abalo psicológico”.

Ao longo do tempo, o STJ solidificou o entendimento de que fica caracterizado o dano moral, suscetível de indenização, “quando o consumidor de veículo zero-quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparo de defeitos apresentados no veículo adquirido”, conforme afirmou o ministro Marco Aurélio Bellizze no AREsp 672.872, julgado em 2015.

Outro entendimento pacífico no tribunal é o de que “a oficina é parte legítima para responder por ação em que se pleiteia indenização por danos morais em razão da falha na prestação de serviços e das ofensas perpetradas por um de seus representantes contra os autores”, como pode ser observado no AREsp 566.483, da relatoria do ministro Raul Araújo.

Em recente decisão no REsp 1.640.789, cujo relator foi o ministro Bellizze, e nos casos citados a seguir, o STJ deixa clara a posição de que “a concessionária e o fabricante de automóveis possuem responsabilidade solidária em relação ao vício do produto”.

Substituição

Em março de 2017, o tribunal julgou o caso de uma consumidora que comprou veículo da Ford. Com poucos meses de uso, por causa de um barulho incomum no motor e dificuldade para abrir e fechar os vidros, a cliente procurou a concessionária para que fizesse os reparos. Só após três meses o carro foi devolvido à consumidora, que então preferiu trocá-lo.